Pra que lado correr | Artigo de Ney Arruda Filho

O historiador israelense Yuval Noah Harari afirmou recentemente que, num mundo repleto de informações irrelevantes, clareza é poder. Para ele, se não existem mais restrições ou limites às manifestações pessoais e ao fluxo de ideias, especialmente pela amplitude que a tecnologia da informação conferiu às mídias eletrônicas, a lógica da censura parece ter sido subvertida. Explicando: o excesso de conteúdo midiático, de notícias, de postagens, de compartilhamentos e de opiniões (furadas), a que as pessoas estão expostas diariamente, inunda-as de desinformações e de distrações. O resultado, muitas vezes, é que se perde a clareza, a racionalidade. A gente acaba na dúvida pra que lado correr…

Nesta semana eu estava concluindo um trabalho bastante complexo, com uma boa folga de prazo, seguindo a regra. Também seguindo a regra, compartilhei a minuta elaborada com colegas do escritório para revisão, sugestões, acréscimos e tudo o mais. A questão dizia respeito à isenção de tributos e ao fato gerador da obrigação tributária. Na minha primeira versão, foquei no conceito e nos efeitos da isenção, benefício obtido pelo cliente, como sendo a “grande sacada”. Foi então que surgiu o questionamento acerca da ordem necessária a ser dada aos argumentos, para a melhor construção da tese de defesa. No Direito, enquanto ciência argumentativa, a ordem dos fatores pode alterar substancialmente o produto, diferente do que acontece na Matemática. Abertos os debates, após acaloradas discussões, concluímos que, sim, o direito adquirido à isenção é o ponto crucial a ser abordado, pois se a operação em análise é isenta, não ocorre a incidência do fato gerador, tipo vacina.

Quando a gente pensou que o negócio iria engrenar, veio a nova onda, novas cepas e bandeira preta. Em setores da sociedade mais afetados, comércio, bares, restaurantes, eventos, só pra citar alguns, o pessoal passou do ponto de surtar e resolveu partir pro ataque. De forma legítima, lutam por aquilo em que acreditam. Assim como o trânsito caótico e violento é algo sem explicação, pois somos todos excelentes motoristas, ninguém é responsável pelo aumento exponencial dos casos e das mortes por covid. Está programada para sábado uma manifestação pedindo a retomada das aulas presenciais nas escolas, liderada por um grupo que se denomina “Pais pela educação”. Como não tenho mais filhos em idade escolar, não tenho que enfrentar essa encrenca surgida com a pandemia, mas imagino o quanto está sendo complicado administrar. Também imagino quanto é desesperador ter seu negócio fechado, não poder trabalhar.

Diferente do que acontece na Matemática, na Medicina e nas demais áreas da saúde a ordem dos fatores altera substancialmente o produto. Ainda que seja um tanto tarde, nunca é demais pensar que poderíamos ter alterado a ordem dos fatores. Com clareza e racionalidade, organizar manifestações públicas, carreatas e movimentos em favor da vacinação prioritária para os professores, por exemplo. Mas deixamos rolar. Num mundo repleto de informações irrelevantes, não soubemos pra que lado correr e chegamos aonde chegamos.

Ney Arruda Filho

Artigo originalmente publicado no Jornal A Hora

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