O que mostrar / Artigo de Ney Arruda Filho
A lembrança vem de tempo, dos tempos em que os estádios de futebol tinham alambrado, aquelas telas altas cercando o gramado. O palco onde o espetáculo deve acontecer ficava isolado do torcedor, protegido. Pelo menos aqui no Brasil isso era o mais comum. Acho que só depois da Copa do Mundo de 2014 é que alguns dos nossos estádios se adequaram ao “padrão Fifa”, sem fosso, sem pista atlética e com a torcida na cara do gol. Coisa recente.
Mas voltando à lembrança, acho que assistíamos a uma partida da Champions League, devia ser um dos City contra um dos Real, quando a câmera desfoca o jogo e foca a torcida, o placar, tudo, menos o campo. Alguém invadiu, disse um dos meus filhos. Tá, mas a TV não mostra? Não respondeu ele, com a experiência de quem viveu no exterior como estudante e trabalhador, não como turista. Existe um pacto, explicou, para que qualquer conduta externa que afete o jogo não seja mostrada, especialmente invasões de campo, agressões ou abraços, manifestações quaisquer. É para não incentivar esse tipo de atitude, que geralmente é tomada por gente sem-noção, exibicionista, maluca, que quer aparecer a qualquer custo, ter seus segundos de fama. Bah, exclamei, e o papel da imprensa esportiva, de cobrir o evento, de noticiar o fato? Nem vem pai, aqui o negócio é futebol e conduta desses idiotas não deve ser mostrada, até para não dar vitrine e encorajar outros idiotas a fazerem o mesmo. Tá bem, fiquei resignado e seguimos assistindo ao jogo.
Depois de algum silêncio, alguém falou: vocês sabem que, no mundo todo, o metrô é o lugar onde mais acontecem suicídios? Mas a imprensa também não noticia isso! E o motivo é, senão o mesmo, muito semelhante. Mesmo assim, em São Paulo nos últimos anos, aumentaram os casos de invasão nos trilhos e suicídios, o que motivou a companhia que administra o sistema a instalar portas de plataforma em grande parte das estações. Tá bem, ambiente familiar, sem mais polêmicas, vamos ao churrasco.
Lembrei desses momentos, porque vivemos tempos estranhos. Jornalismo é o serviço público, que consiste essencialmente em informar. A invasão de campo, os movimentos do invasor constituem informação, assim como o ato impensado ou premeditado do suicida, vai saber. Contudo, a questão de fundo é mais complexa, na medida em que a qualidade da informação e as consequências de sua divulgação não podem sair do foco do jornalismo. O que mostrar, sim, é uma questão vital para a imprensa.