Três Marcelos / Artigo de Ney Arruda Filho
O primeiro foi o quarto filho de uma prole de cinco. Nasceu no final da década de 1950 e teve uma infância feliz, numa então pequena e calma cidade do interior. A adolescência, nos anos 70, refletiu o seu tempo. Vivia-se anos de ditadura, a ânsia pela liberdade era a tônica. A música era o rock, os cabelos eram compridos e as motocicletas surgiam como fuga para a liberdade tão ansiada. A vida pulsava forte, alguns acreditavam no “milagre brasileiro”. Paz e amor era o lema da geração hippie. Ele amava intensamente, rasgando as ruas da cidade em sua moto, Ângela na garupa e os cabelos ao vento. Toda essa energia, toda essa vontade de viver, foi bruscamente rompida, num final de tarde de verão de 1978. O primeiro Marcelo era meu irmão, Marcelo Arruda, que morreu aos 18 anos junto de sua namorada Ângela Roos, num estúpido acidente de trânsito. A dor daquele 1º de fevereiro ficou gravada em mim para sempre.
O segundo, pouco sei sobre ele. Nasceu pobre, na década de 1970, começou a trabalhar como engraxate. Foi criança nos tempos de ditadura e viveu o sonho de um país com liberdade. Votou pra presidente, seguiu carreira pública e construiu uma família. Com projetos e sonhos, comemorava seu aniversário de 50 anos, quando teve sua festa invadida por um desconhecido. Após discussão e troca de tiros, o segundo Marcelo, Marcelo Aloizio de Arruda, morreu deixando esposa e 4 filhos, sendo um bebê. A dor daquele dia 10 de julho ficará gravada para sempre nos que ficaram.
O terceiro, é o primeiro filho de um casal jovem. Nasceu dia 14 de julho esbanjando saúde, no seio de uma família unida, que o recebeu transbordando de amor. Sua infância será cercada de cuidados, na cidade grande, com primos, tios e avós por perto. Com certeza terá a sua trilha sonora influenciada pelo avô paterno. Quase nada se sabe sobre ele, além da rotina de mama/dorme/chora/mama/dorme/chora. Mas todos os olhares e amores já projetam muito pro terceiro Marcelo, meu neto, Marcelo Acosta Arruda. Este 14 de julho será sempre lembrado como um dia de festa.
Três Marcelos, três pessoas reais, três histórias diferentes, três destinos. Os dois primeiros vivem na memória daqueles com quem conviveram, daqueles que os amaram. Ambos tiveram suas vidas ceifadas prematuramente, por imprudência, por estupidez. Prefiro não falar em fatalidade, porque a fatalidade traz consigo uma sensação de inevitável. E a maioria das tragédias é, sim, evitável. Para o terceiro, ficam os melhores desejos, a crença em dias melhores, com mais entendimento e menos violência.